top of page
Buscar

CORAGEM: KAMALA HARRIS

Atualizado: 27 de jul. de 2024

Não conheço o histórico, performance ou características pessoais de Kamala Harris. No entanto, semana passada, sua atitude perante a sucessão presencial norte americana chamou-me a atenção.


Mulher, negra e filha de imigrantes, a atual vice-presidente do país mais poderoso e contraditório do mundo, já foi bem longe, mas, além disso, nos últimos dias pudemos ratificar sua atitude e, especialmente, sua coragem.


Independente das críticas quanto aos preconceitos etaristas ou a viabilidade ou não da candidatura Biden, sua retirada abriu espaços à disputa. Mesmo antes, analistas políticos já avaliavam alternativas entre os nomes de destaque do partido democrata.


Entre tantos homens brancos e raras mulheres (todas brancas) apontados, Kamala muitas vezes era deixada de lado, apontada como uma competidora de “segunda linha”, questionada quanto à sua popularidade ou por seus tropeços em entrevistas, “uma produtora serial de memes de internet”, um comentarista chegou a afirmar. Algo incomum, já que, como Vice Presidente, seria “natural” considerá-la a primeira na linha de sucessão.


Neste caso, parece-nos que o “natural” mesmo seria, mais uma vez, confirmar preconceitos e deixar uma mulher, preta e filha de imigrantes fora da tradicional ribalta de homens, brancos e “bem” nascidos.


No entanto a história mostrou-se bem diferente. Junto com o anúncio da retirada de sua candidatura, o atual presidente indicou sua vice como sua escolha preferida.


Sabe-se, obviamente, que o Twitter do atual presidente não foi algo pessoal, informal ou “natural” como as comunicações em redes  sócias simulam ser. Certamente aquela comunicação foi precedida de muitas negociões e debates nos bastidores.


Kamala, de alguma forma, foi capaz de reverter as expectativas criadas pelos “experts” políticos e, tal como sua conterrânea Simone Blies, surpreender a todos com um giro acrobático e tomar a primeira posição na corrida pela vaga na disputa presidencial.


Sem interesse nos bastidores e possíveis negociatas políticas, prefiro ater-me a admirar sua conquista. Reverter expectativas não é tarefa fácil, requer habilidades bem especiais.


Imaginar e realizar seus próprios caminhos, a despeito e para além de imaginários criados por terceiros, não é pouca coisa. Inventar seu futuro singular é também curar sua história, como um curador de sua própria criação artística.


A procura (pró-cura, como afirmava o saudoso psicanalisa Hélio Pellegrino) não vem sem coragem, na maioria das vezes, construída com uma confiança “suficiente boa” capaz de nos animar a olhar o estranho de frente e escolher o caminho da curiosidade e invenção, ao invés do desvio recomendado pelo medo.


Coragem apaixonada, fiel a raiz etimológica da palavra: coração. Sem seu pulso e resiliência dificilmente seríamos capazes de suportar as quedas do percurso.


Não há como saber qual será o fim dessa bateria, mas oxalá seu exemplo seja inspiração para outras meninas, negras ou filhas de imigrantes, que conhecem, na pele, o desafio de inventar-se dentro de paradigmas preconceituosas já tão bem estabelecidos.


Mesmos paradigmas, patriarcais e racistas, que rapidamente reposicionaram-se e a antes “produtora de memes”, agora é quase uma “sortuda”, creditando sua ascensão a indicação de seu antecessor (homem branco) ou a questões sobre o fundo de campanha, que pragmaticamente justificariam sua escolha.


Reconhecer os créditos de uma mulher, negra e filha de imigrantes parece uma tarefa impossível àqueles imobilizados em modelos arcaicos.


Independentemente disso, o pulso corajoso de Kamala segue seu ritmo e esta, obstinada, segue saltando por sobre seus obstáculos. Só ela mesmo poderá medir a que custos pessoais.


Cabe a nós aplaudir e tentar viralizar seus méritos, na esperança que os mesmos sejam uma peste dissidente, criativa e confortante às muitas outras que correm, diariamente, por semelhantes pistas de obstáculos.


 
 
 

Comments


bottom of page